terça-feira, janeiro 23, 2007
Sousa Mendes entre os Grandes Portugueses - 2
Os homens são do tamanho dos valores que defendem
Aristides de Sousa Mendes foi, talvez por isso, um dos poucos heróis nacionais do século XX e o maior símbolo português saído da II Guerra Mundial. Em 1940, quando era cônsul em Bordéus, protagonizou a "desobediência justa". Não acatou a proibição de Salazar de se passarem vistos a refugiados: transgrediu e passou 30 mil, sobretudo a judeus. Foi demitido compulsivamente. A sua vida estilhaçou-se por completo.
"É o herói vulgar. Não estava preso a causas. Estava preso a uma questão fundamental: a sua consciência", afirma o jornalista Ferreira Fernandes.
Aristides de Sousa Mendes foi o "Schindler português" muito antes de o alemão começar a sua actividade humanitária em prol dos judeus. Atendendo à verdade histórica, Oskar Schindler é que foi o Aristides alemão.
De uma coisa ninguém tem dúvidas: Aristides de Sousa Mendes é um dos maiores símbolos nacionais da II Guerra Mundial. Foi o homem como metáfora do humanismo. Em 1940, Aristides era cônsul de Portugal em Bordéus e, indo contra uma directiva expressa de Salazar para não se concederem vistos a refugiados que quisessem atravessar a França para chegar a Portugal, desobedeceu e passou 30 mil vistos. "Na vida de cada pessoa há uma ou outra oportunidade para se revelar, para mostrar aquilo em que acredita e levar isso até às últimas consequências", diz D. Manuel Clemente, bispo auxiliar de Lisboa. "Ele revelou um sentido de rasgo, um sentido de risco."
No século XX português não há outra figura que tenha mudado tanto - objectiva e materialmente - a vida de milhares pessoas. "Ele representa a desobediência justa", refere António Costa Pinto, historiador e professor do Instituto de Ciências Sociais. "É o exemplo de solidariedade. A sua figura é muito associada ao humanismo do século XX."
No momento crucial da vida na Europa e no mundo, Aristides de Sousa Mendes foi capaz de distinguir o essencial do acessório. "Percebeu que não poderia ficar indiferente à sorte de milhares de pessoas que foram aparecendo no Consulado de Portugal em Bordéus", diz José de Sousa Mendes, sobrinho-neto de Aristides.
Nascido numa abastada família de antigos fidalgos de província, de Cabanas de Viriato, perto de Viseu, Aristides e o irmão gémeo César cursam Direito em Coimbra e seguem a carreira diplomática. Perseguido pelo regime sidonista e a I República em geral, após o golpe de 28 de Maio de 1926 é colocado em Vigo, num posto prestigiante e de confiança. A seguir é transferido para Antuérpia, outro posto de confiança, onde ficará nove anos. Com 50 anos é o decano do corpo diplomático.
Em 1938, após Salazar recusar o seu pedido para permanecer na Bélgica, é colocado em Bordéus. Em 1939, com o rebentar da II Guerra Mundial e, em 1940, devido à invasão da França pelas tropas alemãs, milhares de refugiados fogem para sul. Os jardins do Consulado e as ruas vizinhas servem de local de acampamento a milhares de pessoas, das mais variadas nacionalidades, sobretudo judeus, que fogem da perseguição nazi, mas também gente que foge somente da guerra.
Com a proibição de Salazar - que além de presidente do Conselho de Ministros era ministro dos Negócios Estrangeiros - de se passarem vistos a refugiados, sobretudo a "israelitas", Aristides de Sousa Mendes segue a sua formação humanista e católica e desobedece. Passa (com dois dos seus filhos mais velhos) milhares e milhares de vistos àqueles fugitivos, entre os dias 17 e 19 de Junho de 1940. Terão sido passados cerca de 30 mil, nesses escassos dias. "Concede vistos sem olhar a nacionalidades, etnias ou religiões. Graças a ele, Portugal ficou na história como um país que apoiou os refugiados durante a II Guerra Mundial", lembra a historiadora Irene Pimentel. "Aristides marca de forma indelével a história de Portugal porque permitiu reconciliar-nos com a nossa dignidade. Mais do que qualquer outra pessoa da sua época, dignificou o que era ser-se humano e ser-se português", diz Fernando Nobre, presidente da Fundação AMI.
O mais atraente na história de Aristides de Sousa Mendes é ele ser uma espécie de herói vulgar, que está preso "apenas" à sua consciência. Quando se deu a ocupação do Consulado, fechou-se num quarto para reflectir o que deveria fazer. Numa alucinante inquietação, ficou apenas ele e o seu dilema: respeitaria as ordens superiores - o que, aliás, havia feito toda a vida - ou responderia à sua consciência? "Aristides de Sousa Mendes era um homem vulgar, um funcionário ordeiro, com mais de 50 anos e 12 filhos, que nunca se tinha oposto ao regime ditatorial existente em Portugal", conta o jornalista Ferreira Fernandes. "Mas naquela hora respondeu à sua consciência. E isso foi extraordinário."
Continuando a desobedecer às ordens superiores, provou que não tinha vocação de capacho. Pela inacção dos colegas de Bayonne e de Hendaye, desloca-se a estas cidades nos dias seguintes e ele próprio emite mais alguns milhares de vistos. "Segue a sua consciência humanista universal", refere Medeiros Ferreira, historiador e professor universitário. "Opta nitidamente pela desobediência civil. Opta por salvar aquelas milhares de pessoas que estavam nas escadarias do Consulado à espera de um visto salvador."
As perspectivas dos seus actos não se limitavam a ser sombrias. Excediam em perigo mais do que a imaginação humana pudesse conceber. "Fez tudo o que estava ao seu alcance, mesmo que isso lhe custasse a carreira, a vida e o bem-estar da sua família", conta José de Sousa Mendes. No dia 24 de Junho recebe um telegrama de Salazar ordenando-lhe o regresso imediato a Lisboa. "Enfrentou a ira de Salazar, que não podia permitir que um diplomata desobedecesse às suas ordens", relata Irene Pimentel. Após 32 anos de serviço, Aristides de Sousa Mendes (com uma família de 12 filhos) é demitido compulsivamente sem direito a qualquer reforma ou indemnização. Além disto, é interditado de exercer advocacia e os filhos de frequentarem a universidade. O irmão também é demitido do serviço diplomático. A sua vida estilhaça-se por completo: desmorona-se em prol de um ideal. "Mas quem atinge assim o pico, atinge a glória", afirma D. Manuel Clemente.
Há uma grande presença de Deus na sua vida. O cônsul coloca o seu catolicismo acima de tudo. "Viveu a vida como responsabilidade, a vida como encargo, a vida como compaixão. Actuou de maneira exemplar na história portuguesa e da Humanidade", resume D. Manuel Clemente. Foi um homem conservador, que se adaptara ao regime do Estado Novo, e que levou o seu cristianismo até às últimas consequências.
Alberga no seu palácio de Cabanas de Viriato muitas famílias de refugiados, hipotecando para o efeito todo o recheio. Já na miséria, é auxiliado pela Comunidade Israelita de Lisboa a partir de 1941, sendo muitos dos seus filhos chamados por aqueles que haviam sido salvos, sobretudo a partir dos Estados Unidos e do Canadá. "Aquilo que mais admiro foi a capacidade de ter aguentado a vida nos quase 14 anos que se seguiram àquele acontecimento", sublinha José de Sousa Mendes. "O seu mundo desabou totalmente."
Em 1945, terminada a Guerra, tendo feito uma exposição para tentativa de reapreciação do seu processo, não recebe resposta. A situação de miséria agrava-se. Em 3 de Abril de 1954 morre, no Hospital da Ordem Terceira, em Lisboa, desonrado e sozinho (os filhos já tinham emigrado para a América), acompanhado apenas por uma sobrinha.
Ainda hoje a figura de Aristides de Sousa Mendes é controversa. "A nível da diplomacia, há quem diga que o dever de obediência deveria estar acima da sua atitude humanitária", conta Irene Pimentel. "Eu acho que não. É precisamente nestas alturas que se vê a postura dos seres humanos." Pormenor importante: por incrível que pareça, Aristides de Sousa Mendes só foi reabilitado nos anos 80 do século XX - e muito por pressão exterior. Foi primeiro elogiado nos Estados Unidos e em Israel. É considerado o justo entre os justos.
"Em 1987, reencontrei um dos filhos dele que emigrou para o Canadá, numa homenagem a Aristides, na Alameda dos Justos, em Jerusalém, onde há uma árvore dedicada a cada um dos justos que ajudou os judeus durante a guerra. Fomos convidados para regar essa árvore", conta, emocionado, José de Sousa Mendes. "Aristides não tem um monumento em Portugal. Mais do que um monumento, deveria haver simplesmente uma lei que dissesse: A nuvem - aquela coisa efémera -, a nuvem mais bonita em Portugal, todos os dias, deveria chamar-se Aristides de Sousa Mendes", remata Ferreira Fernandes.
Recordamos Aristides de Sousa Mendes porque eu soube dar a resposta acertada ao grande DILEMA que enfrentava naqueles dias de incerteza e angústias.
Todos nós podemos ter que enfrentar DILEMAS semelhantes ainda que menores.
Como reagiu ?
Como poderá reagir no futuro ?
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1 comentário:
A importância de Aristides de Sousa Mendes é básica no mundo em que vivemos. Ponto de referência na minha conduta pela vida, não o considero propriamente um herói e nem me orgulho por ele ser português. Se herói é ser como Napoleão ou outras personagens parecidas, prefiro chamar a Sousa Mendes um homem bom e sentir esperança e alegria por ele pertencer à humanidade – só isto.
Aristides da Sousa Mendes foi cônsul português em Bordéus em plena II Guerra Mundial. Profundamente católico, pai de numerosa família, oriundo da aristocracia beirã, revelou-se muito mais do que um simples funcionário de Salazar, muito mais do que mais uma simples roda na engrenagem.
Quando, desesperados, os refugiados judeus lhe começaram a aparecer à porta do consulado, sedentos de uma assinatura sua que lhes permitiria sair da Europa e apanhar um barco para a América – fugindo do Holocausto e de uma morte certa – Sousa Mendes, ao contrário da grande maioria que optou por fechar os olhos e fazer de conta de que nada se estava a passar, preferiu desobedecer a ordens directas de todo um Estado a que jurara obediência do que a violentar a sua consciência e a sua dignidade enquanto ser humano. A importância básica de valores expressos na conduta deste homem – a fidelidade total à sua consciência, a sua dignidade, a sua integridade, apesar de estar perfeitamente consciente das terríveis consequências que isso lhe iria acarretar para a sua vida pessoal, profissional e para a vida dos que mais lhe eram queridos – revela uma coragem esmagadora que só é própria dos grandes homens.
Num mundo onde, cada vez mais, se desvaloriza a paz de espírito, ou seja, a importância de se olhar todos os dias ao espelho e sentir-se digno e com a consciência tranquila – por muito turbulenta que a vida “lá de fora” seja – num mundo onde, cada vez mais, se leva uma vida ruidosa para não se sentir a perturbação do silêncio – num mundo onde, cada vez mais, nada interessa, ninguém quer saber, nada tem valor para além do nosso prazer momentâneo, das nossas pequenas vidas – o exemplo de Aristides de Sousa Mendes surge como um autêntico ponto de referência de verticalidade num mundo que, cada vez mais, dobra a sua espinha aos confortos de uma vida sem sentido e sem dignidade.
Penso que a visão de Sousa Mendes ainda vai mais longe. Além de viver a vida de forma coerente com a sua forma de pensar e de sentir – e é este o verdadeiro significado da palavra coragem - além de elevar a um estatuto maior a sua consciência individual em relação a instituições vazias de sentido e despidas de qualquer sentimento, Sousa Mendes ao agir da única forma que sabemos correcta – com bondade – revelou um respeito enorme por toda a humanidade no seu conjunto, revelou que sabe que qualquer gesto nosso, por mais insignificante que seja, tem importância, e preferiu sacrificar o conforto da sua vida segura e fácil em favor da vida de milhares de pessoas que lhe eram totalmente desconhecidas. Compreender que pouco somos mas que, pelos nossos gestos, podemos fazer toda a diferença.
Sousa Mendes torna claro como a bondade é o mais nobre e o mais difícil de todos os sentimentos. Ao contrário daquilo que muitos pensam, ser bom não é ser fraco – muito antes pelo contrário. Exige muita coragem e muita abnegação. Não é mais fácil deixar andar, não ouvir, não querer saber, fazer o que muito bem nos apetece e ser insensível?
Sousa Mendes é um dos meus pontos de referência. Sem o seu gesto seria um perfeito desconhecido, sem memória e sem glória. Ao seguir a sua consciência e o seu coração tornou-se num dos grandes vultos da Humanidade.
Isabel
www.isabeldanca2.no.sapo.pt
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